É muito difícil olhar para dentro de si e reconhecer que há feridas de rejeição, abandono, incompreensão, negligência, eventualmente até maus tratos e abusos, principalmente para os homens que foram proibidos de chorar e mostrar sua dor. Os meninos massacram as crianças mais sensíveis, que logo ganham apelidos de maricas ou coisas piores. Logo aprendem a engolir o choro e a revidar com agressividade para serem respeitados. Criam uma armadura para se protegerem. É dolorido também perceber que essas feridas foram feitas pelas pessoas mais próximas- pais, parentes, pessoas que deveriam ter cuidado de nós, nos acolhido e protegido. No entanto, Jesus traz uma boa notícia quando afirma- Marcos 7-15,21-23. Cristo afirma que esse mal não precisa nos contaminar.
Em primeiro lugar, não somos responsáveis pelas ações alheias, mas apenas por nossa reação ao mal delas advindo. Podemos fingir que esse mal não existe, negar que tenha nos machucado, justificar aqueles que nos feriram e assumir a culpa deles. Nesse caso, somos candidatos a doenças físicas dor de estômago, enxaqueca e outros distúrbios, que não passam de somatização das emoções reprimidas. Ou nos tornamos extremamente perfeccionistas para garantir o reconhecimento do outro e tentar evitar novas agressões. Outra alternativa destrutiva é abrigar esse mal, remoê-lo, perpetuá-lo, ou seja, alimentar a ferida para punir o outro, ou para que tenham pena de nós. É a atitude do deficiente que acentua sua deformação para pedir dinheiro na rua. Podemos ainda revidar e, com isto, nos assemelhar justamente àquilo que repudiamos. Tornamo-nos pessoas amargas, críticas e agressivas.
Nestas três hipóteses, o mal venceu, pois conseguiu nos contagiar. Nós nos machucamos e machucamos o outro a partir dessas feridas não curadas. Desenvolvemos mecanismos de defesa e ataque, que fazem de nós pessoas perigosas como o terrorista que mata para vingar a morte de amigos e parentes. Mas existe um caminho de cura, que passa pelo reconhecimento da amplitude do mal e pelo perdão fundamentado na atitude de Jesus na cruz. Vencer o mal com o bem é resistir ao mal, recusar-se a deixar que ele tome conta do nosso coração, que deforme nossa autoimagem e que nos leve a desistir de amar e ser amado. Deus nos capacita a digerir os pensamentos e as emoções que nos assaltam, depositando todas essas feridas aos pés da cruz. A vitória que ele já conquistou também é nossa, se escolhemos o bálsamo e antídoto do seu amor. É importante reconhecer, em nosso íntimo, a tentação de sucumbir ao mal, de deixar-nos abater e até destruir por ele. Somos tentados a desconfiar do amor de Deus por ter deixado acontecer esse sofrimento.
A vida nos parece absurda e perdemos o desejo de viver. Mas, quando consideramos que até Cristo foi alvo da maldade humana e não fugiu, nem cedeu ao ódio, mas, pelo contrário, reafirmou seu amor incondicional, somos encorajados a seguir suas pegadas e atravessar o vale da sombra da morte, porque encontramos nele essa fonte inesgotável de amor e de consolo. Assim, levantamos a cabeça e nos dispomos a encarar a vida de peito aberto, com sua porção de sofrimento, mas também de alegria, realizações e presentes a serem desfrutados.